Muito já foi falado sobre a reverência dos criadores de "Lost" à Star Wars. Muito já foi visto também: ela está em várias citações ao longo da série, ora em cenas que reproduzem diálogos dos filmes da obra de George Lucas (pequenos tributos captados apenas pelos fãs da saga estelar), ora em referências diretas mesmo - quem não se lembra de Sawyer se referindo a Jin como "Chewie" (o wookie Chewbacca, personagem da saga) ou de Hurley falando de um "momento Jedi" ?
Essa admiração ganhou contornos ainda mais sérios neste episódio com Michael, antes um homem pacato, vitimado pela esposa com o distanciamento do filho, e agora um aparente traidor da tripulação do 815. A ida do pai mais sofrido do vôo para o "lado negro da Ilha" guarda muitas semelhanças com a própria história do protagonista de Star Wars, Anakin Skywalker. Por isso, vou contar a história de Anakin de forma bem resumida:
Em tempos mais pacíficos da Galáxia, o menino Anakin Skywalker é descoberto pelos jedis, que não demoraram a ficar impressionados com o seu grau de concentração da Força, uma espécie de poder presente em tudo e em todos. De tão incrível, o moleque é considerado uma espécie de "iluminado" pela Ordem Jedi. Só que é também uma criança insegura, com medo de perder aqueles que amava -ao ingressar na Academia Jedi, Anakin vai morar longe de sua mãe, escrava num outro planeta.
A maior motivação de Anakin em seus treinamentos é a de um dia poder libertar sua progenitora.
O tempo passa, e quando ele já é quase um Cavaleiro Jedi, resolve regressar ao seu planeta natal. E lá descobre que a mãe foi raptada por uma tribo nômade, suja, maltrapilha e tosca: os Tusken Raiders, também conhecidos como "Povo da Areia". Ele vai até o acampamento deles, encontra a mãe lá mas ela já estava fraca demais e morre nos seus braços. A raiva e a frustração que sente são suficientes pra que Anakin dizime aquele povo por completo - mulheres e crianças inclusive, todos descritos por ele como "animais".
Dali em diante a vida e o caráter de Anakin vão ladeira abaixo.
Ele mata um Mestre Jedi, vai pro lado negro da Força, torna-se Darth Vader. De quase Cristo vira quase Hitler, e assim exerce sua ira por muito tempo. Mas no fim de sua existência sua alma corrompida é salva. Por quem ? Pelo filho, Luke Skywalker. Último dos Jedis, de potencial comparável ao do pai, separado deste desde o nascimento, Luke consegue fazê-lo voltar à luz. The End.
Bom, depois dos três últimos parágrafos acho que já deu pra ver onde quero chegar, não ? Pois vejamos:
Michael é uma espécie de Anakin sem poder - aparentemente, essa parte dos "dons especiais" é aplicável apenas a Walt. Separado à sua revelia do filho desde que este era bebê, o reencontra dez anos depois. Na ilha, ele finalmente estava começando a ser o pai que sempre quis quando viu-se afastado do garoto mais uma vez. E como isso se deu ? Num rapto protagonizado por uma tribo aparentemente tão nômade, suja, maltrapilha e tosca quanto a dos Tusken Raiders de Lucas: os Outros. A descrição deles feita por Michael "bate" com a de Anakin em relação aos algozes de sua mãe: "Eles são como animais".
E mesmo o momento em que Michael quase hesitantemente atira em Ana Lucia e Libby remete a um Anakin caindo em dúvidas e tormentos ao liquidar com Mace Windu (o tal Mestre Jedi que citei) e assim carimbar seu passaporte para o Lado Negro. Dá até pra imaginar uma observação no script de Harrold Perrineau, ator que dá vida a Michael: "Sabe quando Anakin desencaminha em Star Wars ? Então, Harry, beba dessa fonte e arrebente, cara!".
Os instantes finais do episódio 20 e a promo do episódio 21 sugerem a transformação de Michael em um homem bastante distante daquele pacífico sobrevivente do início da trama. E caso o destino do personagem seja mesmo o mal, quem será seu salvador ? Walt, seu filho, por muito tempo separado do pai qual Luke, possivelmente poderoso qual Anakin.
A história de Michael e Walt é de fato a mais influenciada por Star Wars em "Lost", mas vale destacar que outras duas também têm bastante de Anakin e Luke: as de Jack e Christian e de Ana Lucia e Teresa Cortez. Não por acaso as três foram abordadas num mesmo episódio.
Crônicas sobre o amor entre pais e filhos, e sobre ascensão e queda também. Isso é Star Wars. Isso é "Lost". E é assim, reverenciando a obra-prima de George Lucas, que JJ Abrams, Damon Lindelof, Carlton Cuse e Javier Grillo-Marxuach fazem o que para os físicos seria impossível: em pouco mais de quarenta minutos por semana, colocam uma galáxia muito, muito distante dentro de uma ilha perdida num ponto remoto do planeta Terra.

Michael: perdido como Anakin em "Star Wars"
Fonte: Lost In Lost - Por Carlos Alexandre Monteiro
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