sexta-feira, 21 de março de 2008

"MEET KEVIN JOHNSON" - ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA

(Com SPOILERS! para quem ainda não viu o oitavo episódio da quarta temporada)

"Quando me tiverem, a ordem é matar todos que estão na ilha" (Ben)

"Por que eu ajudaria os bastardos que seqüestraram meu filho?" (Michael)

"Nós o devolvemos inteiro. Você que o perdeu" (Tom)


"Não pode se matar. A ilha não deixará! Não importa o quanto queira, nem de quantas maneiras você tentar. Não irá acontecer" (Tom)



"Você fará isso por mim, Michael?" (Ben)
"Sim" (Michael)
"Então, pode se considerar um dos mocinhos" (Ben)





Você faz escolhas ruins, e coisas ruins acontecem contigo. Você faz boas escolhas, e elas também acontecem. A simples porém sábia lei do karma, relembrada por Bernard a Jin não apenas ainda ecoa em nossas mentes como soa bem forte neste oitavo episódio, ao conhecermos a triste, densa e pesada trajetória de Michael pós-ilha.

Nada em "Lost" é por acaso, e tampouco o título do episódio - em português, "Conheça Kevin Johnson" - que, à primeira vista e descontextualizado, parece até flertar com a idéia de conotação positiva de que, em "Lost", todos podem ter uma nova existência. E então, mergulhando no drama de Michael, entendemos que ele não ganhou uma nova vida, mas sim perdeu a antiga - e com ela sua essência e sua identidade, arruinadas após o bárbaro caminho traçado para reconquistar a presença de Walt. Mal sabia ele que, ao matar Ana Lucia e Libby, na verdade ele estava se afastando do filho, que sente não fazer idéia de quem de fato é aquele homem - sensação que, pouco a pouco, foi tida também pelo próprio Michael.





"Meet Kevin Johnson" é sobre a tentativa de Michael de construir esse caminho de reencontro com sua boa essência. Só assim ele pode voltar a se perceber e se entender - e conseqüentemente, fazer com que Walt também o reconheça. Porém, cada passo de Michael é cercado de dúvidas, de fantasmas, de hesitações; e o homem que busca a morte, que se perde de si, que se vê como o peão manipulável de um jogo grandioso, nada mais é do que um único e excelente exemplo do verdadeiro exército de cegos que habita a ilha, esta que é a personagem-mor de nossa saga, percebida em atitude nas fracassadas tentativas de suicídio de um Michael do passado e de um certo doutor Jack no futuro. É preciso confiar em seus desígnios para se reestabelecer o rumo; mas como conseguir decifrá-la uma vez que não se enxerga?

A grande pergunta que permeou toda a primeira fase desta quarta temporada foi: "Em quem confiar?", e ela foi insistentemente repetida ao longo de todo este episódio. De um lado, temos Claire, Sawyer e Hurley reticentes em relação a Locke. Por sua vez, o caçador decide se apoiar tropegamente em Ben, pois é o único rumo que lhe resta. Longe dali, Jack, Juliet, Kate e companhia dividem esperanças com diversas ressalvas em relação à postura de Charlotte e Faraday. E, em algum ponto do mar, Sayid e Desmond optam pelo iminente erro em ficar ao lado de Gault e seus comandados.

Não por acaso, o episódio também é marcado por outra dupla com os mesmos laços familiares de Michael e Walt, e com a mesma sensação incômoda de falta de rumo: Rousseau e Alex, que experimentam uma tragédia cujo gosto já foi sentido pelos dois. E num quadro de desespero, em um último esforço para se salvar, a garota se vê obrigada a assumir aos gritos um papel que por muito ela se sentiu à vontade para recusar, e que recentemente havia descoberto não ser seu na realidade. Alguém voltou a pensar em perda de identidade?

Jamais houve em "Lost" um período mais incerto, sombrio e brilhantemente diabólico do que o atual; e a volta de Michael, com toda a sua bagagem vergonhosa e digna de pena, seus dilemas assustadores e fraquezas violentamente humanas, traduz bem esse momento nebuloso, que só nos a única certeza dos sobreviventes: todos estão à mercê de Benjamin Linus e Charles Widmore, inimigos em um duelo sem mocinhos que, seja qual for o seu desfecho, não nos dará qualquer meio-termo entre a luz e a escuridão.


* * *


Muito mais sobre este excelente episódio no podcast que chega segunda-feira. Namastê!

Fonte: Lost In Lost - Por Carlos Alexandre Monteiro

Nenhum comentário: