sexta-feira, 16 de maio de 2008

"THERE'S NO PLACE LIKE HOME" - TODOS ESTÃO MORTOS

(Com SPOILERS! para quem não viu o 12º episódio da quarta temporada)


"Todos sabemos a história. Se perguntarem sobre o que não quisermos responder, ou se não pudermos responder, ficamos de boca fechada. Pensarão que estamos em estado de choque" (Jack)

"Jack, nós estamos em estado de choque" (Sun)





Conte uma mentira diversas vezes e ela acabará soando como uma verdade. Para o mundo, funcionou com perfeição diante de câmeras, microfones, jurados e famílias a história combinada por Jack, Kate, Sayid, Sun e Hurley. Mas o constrangimento do grupo não só expõe a fragilidade da trama armada por eles como também nos revela a maior das mentiras para aquelas pessoas - e ela se chama liberdade.

Ao longo de todos estes anos, aplicamos em "Lost" o pensamento lógico e elementar de que, para aquelas pessoas confinadas na ilha, o resgate seria sinônimo de libertação. Mentira. Não é NADA assim. Pelos acontecimentos que já nos foram apresentados na saga dos sobreviventes, tomar liberdade como algo bom é querer acreditar em uma falcatrua - e, mais uma vez, o ditado do começo deste texto não vinga. "Lost" é um poço de liberdades ilusórias, construídas de forma torpe. Dois exemplos óbvios são a morte de Ana Lucia e Libby, caminho trilhado por Michael para comprar sua saída do local; e o homicídio realizado por Kate para livrar a mãe de seu pai; mas, para mim, o maior e mais contundente de todos e são os olhares perdidos e envergonhados dos Oceanic Six nesta primeira parte de "There's No Place Like Home".

O nome do episódio não poderia ser mais irônico. O lar não conforta, sequer lhes parece o mesmo. Onde eles deveriam encontrar felicidade e paz, há a infâmia e o embaraço, graças ao atestado de culpa coletiva firmado pelo sexteto. Um acordo cujos laços de comprometimento não se fortalecem em olhares solidários, mas sim no medo de se encarar o outro; e o redator - não necessariamente o autor, percebam - desse acordo atende pelo nome de Jack Shephard.

A história da degradação de Jack pode ser perfeitamente pontuada por sua relação com as verdades e as mentiras. Um dia, houve um Jack que foi incapaz de mentir acerca do estado de sobriedade de seu pai ao realizar uma operação, custando o emprego dele. Foi também o mesmo Jack que não conseguiu encarar sua esposa nos olhos após ter beijado uma mulher que não ela. Este foi o Jack que chegou à ilha, mas não o que a deixou.

Na ilha, as circunstâncias ajudaram Jack a perder o pudor em mentir; mas, mesmo quando recorreu à mentira, sempre o fez com intenções nobres que o isentavam de qualquer julgamento ruim... até a saída dos Oceanic Six. Pouco a pouco, ao longo da quarta temporada, fomos percebendo cada vez mais claramente que não havia qualquer nobreza na falsa história que vimos Jack contar pela primeira vez em "Eggtown". Agora, com os fatos casados em sua real cronologia, "Lost" nos apresenta com brilhantismo uma sutil e acertada metáfora: no futuro, a mentira que deveria apresentar a liberdade a Jack não perde oportunidades de se mostrar aprisionadora e apenas nociva; e no presente, o Jack que deveria estar são após a operação continua sangrando por entre os pontos fechados. E, vejam vocês, o primeiro grande golpe na frágil ilusão do Jack pós-ilha vem de outra grande mentira sustentada por seu pai, Christian Shephard, do outro lado do mundo.





Mas o doutor Shephard, por mais que queira ter (e de fato sinta) o peso das responsabilidades apenas em seus ombros, carregando em sua vertiginosa decadência o sangue e a cicatriz dos Oceanic Six, esta carga deve - ou deveria - ser compartilhada por todos ali. É certo que Hurley também pelo menos sente isso; e, tempos depois, soaria lúcido e sincero sobre a cama de um manicômio ao afirmar: "Nós todos estamos mortos".

Enquanto o mundo saúda e se encanta com a aventura de heróis em alto-mar, nos espantamos com o descaramento e sentimos o peso da mentira na vergonha e na constante sensação de incômodo presente em cada Oceanic Six; agora, é hora de conhecer o que de fato o sexteto deixou para trás, a realidade que fez a falsidade se tornar insustentável no futuro para Jack e Hurley. Descobrir a verdade por trás da grande farsa é mais do que encontrar explicações para a festa de sorrisos insossos e para o silêncio que substitui a celebração: é buscar entender por que em "Lost" não estão realmente livres os quem deixam a ilha mas fogem às suas verdades.


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Mais mentiras (e verdades) e tudo que não foi falado acima: o bote, o barco, o acampamento e a selva, o helicóptero, a Orquídea... Temas para o podcast Lost in Lost desta segunda-feira. Namastê!

Fonte: Lost In Lost - Por Carlos Alexandre Monteiro

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