“O que há lá embaixo?”(Jacob)
“Vida, Morte, Renascimento. É a fonte, o coração da Ilha” (Mãe)
“O que há lá embaixo?” (Filho)
“Luz. A mais quente e brilhante que você já sentiu ou viu. (…) Um pouco desta mesma luz está dentro de cada homem. Mas eles sempre querem mais”. (Mãe)
Há diversas perguntas no universo de “Lost”. Tão recorrente quanto ler a respeito delas – tão numerosas e frequentes nesta reta final de seriado – é a cobrança impiedosa por respostas. No entanto, de todas as questões que tenho lido, que têm sido cobradas, exigidas, suplicadas em blogs e afins, em nenhuma ocasião me recordo de ter visto alguém levantar a que penso ser a mais básica, mais simples, e para mim a mais importante: do que “Lost” se trata, afinal?
Vocês já me leram dizer por aqui que “Lost” é uma série sobre pessoas. Na verdade, não sou eu quem diz isso, e não se diz isso de agora. São os roteiristas, com seus personagens ora perdidos, ora encontrados, de histórias diversas, temas e tramas que se esbarram e se distanciam, que nos afirmaram isso desde o começo. Mas vamos tentar pegar o outro caminho – a trilha buscada por muitos que estão chegando ao fim de uma jornada de seis anos, presente em reclamações incandescentes: “Lost” deveria ser uma série de respostas.
Pois bem: “Lost” é uma série de respostas; e a prova maior está em “Across The Sea”.
Acabamos de ver um episódio em que muitos dos fãs inconformados com as respostas nada objetivas confiavam ser o condutor de um grupo de elucidações diretas, já que contaria a história de Jacob e de seu inimigo – e, afinal, nada tão direto, claro e cristalino quanto o maniqueísmo que os dois representavam até então. Até então.
A pouco mais de três horas de seu fim, “Lost” mais uma vez nos tirou de uma zona de conforto, desconstruindo mitos solidificados mais por nossa vontade do que pelos fatos. Jacob, uma divindade, o bem? Homem de Preto, um demônio, o mal? Fato é que, vamos lá, quando isso nos foi afirmado – afirmado – textualmente ao longo da trama? Até então, tudo o que fizemos foi revestir de cimento e aço a nossa crença nestas possibilidades… e agora nos vimos equivocados. Novamente equivocados.
Jacob, como sua antecessora e como seu sucessor, era tão simplesmente um ser humano, pleno de virtudes e de defeitos, caminhando tropega e desequilibradamente sobre a linha que divide o bem e o mal, opostos para os quais todos tombam alternadamente. Assim acontecia também com o Homem de Preto, caindo na realidade ao descobrir um homem pleno de sentimentos, no qual o bem e o mal se dividiam.
Jacob e seu irmão nunca foram os opostos de uma balança. Os dois sempre foram a balança. Pedras ora equilibradas, ora misturadas, ora em desalinho. Eles são Jack, Locke, Desmond, Sawyer, aquilo que eles e que nós encontramos no espelho: existências imperfeitas, capazes de temer e admirar o novo ao mesmo tempo, abraçar e rejeitar o que não entendem, e que por momentos e anos a fio gastam e continuarão despendendo tempo e esforços em entender qual o sentido e os porquês da vida, essa coisa ora bendita, ora miserável, que tanto nos leva a momentos esplêndidos quanto a ânsias de fim. Esperanças e desilusões que nascem, morrem, renascem.
Repito: “Lost” é uma série de respostas, mas nunca, nunca de respostas simples; e em “Across The Sea” lá estava a bela e essencial complexidade de sua história representada simbolicamente na caverna iluminada, porém inalcançável. Mais fácil ridicularizá-la e menosprezá-la do que tentar entendê-la, iluminada por cada um de nós, cheia de verdade, mas não de uma só Verdade – essa falsa única Verdade que de fato, pelo histórico da humanidade, pela sua estúpida intransigência, realmente só serviu pra nos corromper e destruir. Como a imperfeita e humaníssima mãe dos irmãos afirmou, aquela luz é composta por parte daquela que cada um de nós traz. É essa a luz da Ilha. É essa a luz da história que temos diante de nós. É essa a verdade que vale: a verdade individual, ao mesmo tempo certa e questionável diante das demais. Sempre.
Por isso, “Lost” é e sempre foi sobre pessoas. “Lost” sempre se debruçou sobre o maior mistério de todos e se, ficção ou não, em nossa pequena e patética condição nunca o elucidaremos como único, que isso não nos frustre mas sim nos fascine. Afinal, buscar sua resposta é tão fundamental quanto não encontrá-la no todo, posto que é impossível; e, como num dos espetaculares paradoxos que a história nos deu, é quando nos deixamos sentir em vez de só tentar entender que ela, essa nossa grande verdade nos surge – única, pessoal, intocável; porém, calorosa, vívida, iluminada.
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No podcast Lost in Lost #98, um pouco da minha verdade pessoal e (in)transferível sobre esse episódio espetacular. Até!
Fonte: Lost In Lost - Por Carlos Alexandre Monteiro
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