"Por que você está fazendo isso?" (Sun)
"Porque nós temos que ir para casa" (Jin)
"Não existe lugar para mim lá fora. Aqui é minha casa agora" (Danielle Rousseau)
"Você tem trabalho a fazer" (Walt)
"Jack... Você não deveria fazer isso" (Locke)
"Nós não éramos para sair de lá. Nós temos que voltar, Kate" (Jack)

Chega de se esconder, chega de se mudar, chega de viver com medo. O discurso de Jack foi uma verdade pronunciada o tempo todo, ilustrando os pensamentos, atitudes, as novas certezas e dúvidas de "Lost" que chegaram com esse estupendo fim de temporada, em que os heróis foram de peito aberto às balas em busca do objetivo maior.
É o marco de um novo tempo na ilha. Se você duvida, basta lembrar do fim da segunda temporada e do começo desta. Naquela época, o medo e os Outros dominavam. Uns sobreviventes perdiam a fé; outros, a liberdade. Faltava chão, e sobravam desconhecimento e temor.
Aos poucos, a terceira temporada foi consolidando junto aos sobreviventes a idéia de que sim, talvez fosse possível não se entregar a um futuro na ilha e voltar a crer em uma saída daquele local, mas não sem antes haver certos encontros - e os primeiros tinham que ser o dos sobreviventes com seus respectivos destinos.
Sim, eles começaram a recuperar a visão e o prumo quando aos poucos eles começaram a encarar e abraçar seus respectivos destinos - e sim, os que ainda duvidavam enfim perceberam que estes destinos existem e vivem não apenas nas visões de Desmond como se confirmam em cada pessoa naquela ilha.

Charlie aceitou o seu ao entender que sua morte serviria a um bem maior. A tranquilidade com que encarou Bonnie, Greta e Bakunin foi a prova de que a coragem e a fé no objetivo que tinha a cumprir não podiam ser abaladas de jeito nenhum. Combustíveis essenciais para que cumprisse com perfeição o tal destino, que ainda lhe proporcionou um agradecimento irônico a Desmond: o roqueiro não só passou uma informação vital ao Brotha na palma de sua mão como pôde protegê-lo da explosão provocada pelo ucraniano. E assim, Desmond, que por várias vezes salvou Charlie, acabou sendo salvo por ele também - e, quem sabe, novamente mais tarde, por sua amada, graças também ao bravo baixista.
Hurley também entendeu que podia e devia ajudar. Mas como? Ele não foi ao mar com Charlie e Desmond, não seguiu ao lado de Sawyer e Juliet. Mais um belo simbolismo: foi buscar na Kombi que usou de instrumento para manifestar sua esperança para resgatar Jin, Sayid, Bernard - e, por que não dizer, o golpista e a ex-Outra também. "Eu os salvei", disse orgulhoso a Jack no rádio. Hurley é mais um que não fugiu.
Aliás, pausa necessária para uma pergunta: se há um tempo nos fosse dito que Charlie e Hurley seriam heróis dos sobreviventes no fim de temporada, será que acreditaríamos? Talvez não. Que fique a lição: em "Lost", para vencer, acima de tudo, é preciso querer.
Os heróis de "Lost" sequer precisam ter idade. O Locke dilacerado do fim da segunda temporada se repetia na terceira quando Walt surge com o objetivo de fazê-lo crer que seu "walkabout" ainda não havia acabado. Walt retornou para restaurar a fé de Locke.

Assim como não sabemos de onde o moleque veio ou como chegou ali - ou mesmo se era mesmo Walt -, não fazemos idéia do que ele disse ao seu amigo careca para que ele seguisse sem desvios no objetivo de matar Naomi. Pela declaração de Penny, parece haver algum bom motivo para aquele ato do caçador. Errado ou certo, fato: Locke reencontrou seu rumo, e mostrou isso até ao ser impedido por sua boa índole de matar seu quase-desafeto Jack Shephard.

No centro de todas essas transições, surge a de Jack, pastor no sobrenome e no entendimento de quase todos os passageiros do vôo 815. O médico manteve-se firme em seu propósito de conseguir o resgate, e para isso superou um desafio diante do qual muita gente cairia, inclusive o Jack Shephard de antigamente: a possibilidade de perder Sayid, Jin e Bernard.
Uma ligação na ilha, e Jack deveria vencer. Deveria.
Uma outra ligação fora da ilha, e Jack poderia vencer - ou ao menos começar a tentar consertar o que julga ter sido um grande erro. A morte estampada no jornal foi a gota d'água para que ele vislumbrasse a trilha a ser refeita pelo homem que um dia acreditou poder curar tudo. E por algum motivo, ele precisa de Kate para isso.
A declaração do desejo desesperado de Jack em retornar ao local da queda do vôo 815 nos revelou a grande surpresa: houve então um resgate - e, por incrível que isso possa parecer, isso não foi bom. Sabendo que em "Lost" as histórias de fora e dentro da ilha de cada episódio sempre se relacionam, a única pista que temos é a de que deve haver uma conexão entre o pedido de resgate no rádio e a tragédia que fez de Jack um farrapo humano. E nesta grande lacuna entre o Jack vencedor e o Jack dilacerado, tantas possibilidades encharcadas por uma tempestade de dúvidas e uma longa espera a amargar.
Não faz mal. Jack não pulou da ponte. Locke levantou-se da cova. Hurley acelerou, Charlie acenou com uma resposta, e Desmond saberá o que fazer. Está pavimentado o caminho para uma grande quarta temporada.
* * *
Como os produtores prometeram, ao fim de mais esta fase de "Lost", todos saímos com os braços e dedos picados por uma certa cascavel. E na sensação singular proporcionada por seu veneno, vem o reforço da certeza e da alegria de amar a série certa. Como é bom gostar de "Lost".
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Mais heróis, vilões, momentos, detalhes, o morto misterioso... tudo sobre "Through the Looking Glass" que merece a nossa atenção está no podcast desta sexta. Namastê e good vibrations!
Fonte: Lost In Lost - Por Carlos Alexandre Monteiro
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