Cá estamos na reta final da quinta temporada de “Lost” - que, sem dúvida, é a mais polêmica de todas até aqui. As opiniões de muitos espectadores que se mantiveram fiéis à série andam se dividindo; e boa parte dos ódios e amores do público em relação ao penúltimo volume da saga têm como combustível as viagens no tempo - um elemento que não é exclusivo deste quinto ano mas que está sendo explorado nele como em nenhum outro anterior.
Eu já era pra ter escrito esse texto - pra ser condescendente com meu tempo escasso, pelo menos desde “Whatever Happened Happened” e as conversas espetaculares de Miles e Hurley vistas no episódio -, mas quando vi Miles dizendo que esbarrou com a mãe no refeitório, interagindo com o pai, Pierre Chang, e, principalmente, o testemunhando diante de sua versão bebê, percebi que não dava mais para evitar. Vamos falar de tempo, então. E quem quiser seguir, deixo o alerta/convite: é para viajar MESMO.
Não são poucos os que acham que os roteiristas estão se embananando bonito com as viagens no tempo em “Lost”. O melhor exemplo citado pelos que as criticam é o fato de que Sayid só teria atirado em Ben porque Ben era mau, mas Ben só ficou mau porque virou um Hostil graças aos cuidados de Richard Alpert após o tiro de Sayid. Seria este um paradoxo, assim como o Miles aduto diante de Miles bebê?
Eu vejo que não. Tudo porque, na minha opinião, os roteiristas estão fazendo e levando em consideração uma separação importantíssima: a da história da ilha e a da linha do tempo de cada um daqueles que viajaram entre épocas. Calma que eu explico melhor.
A verdade é que a ilha é mais do que o local misterioso em que a trama se passa: a ilha é o personagem principal de “Lost”. Por isso, convido quem me lê a fazer uma leitura diferente a respeito da ilha em se tratando de passado, presente e futuro: a proposta é a de pensarmos nos fatos que a construíram a história do local como partes de um todo já estabelecido, construído, solidificado.
Para ficar mais fácil ainda: consideremos que, para a história da ilha, não tenham acontecido viagens no tempo - consequentemente, desta forma se torna impossível haver qualquer chance de modificação de acontecimentos. Não há Jin de 2004 sendo socorrido por Rousseau em 1988 nem Sawyer de 2004 na Dharma de 1977: há Jin com Rousseau, e há Jin no voo 815; há Sawyer no avião da Oceanic e há Sawyer como chefe de segurança da Iniciativa de Alvar Hanso. Deixemos de lado as datas, pensando nelas como convenções que não devem ser tão levadas em consideração para marcar períodos das vidas que habitam a ilha.
Diante da frase “o que aconteceu, aconteceu”, o “sempre” torna-se resposta-chave para diversas dúvidas. Perguntas como “Para a ilha, Jin conheceu mesmo Rousseau em 1988?”, “Sawyer viu Kate ajudando Claire a dar à luz a Aaron?” e “Miles se viu mesmo aos três meses de vida no colo de seu pai?” a têm invariavelmente como resposta. Assim sendo, pensando só na ilha, de novo: para facilitar a compreensão do que está acontecendo é preciso deixar o tempo em segundo plano para pensar apenas nos acontecimentos.
Agora vamos falar da história individual dos personagens, a tal outra parte da divisão que penso ser considerada pelos roteiristas. Sobre essa outra porção, quem falou bem foi Miles em “Dead is Dead”. Quando Hurley perguntou por que não se recordava de ter tido aquela conversa com o médium, ele disse: “Porque, para nós, ela ainda não aconteceu”.
Miles está certíssimo: para Hurley - assim como para Sawyer, Kate, Jack etc. - o presente é 1977. O futuro é o dia seguinte. Para Hurley e Miles, de fato, aquele papo ainda não tinha acontecido em suas realidades individuais. Eles são donos de seus destinos, de suas linhas do tempo particulares, podendo fazer o que quiserem, sem qualquer, digamos, “compromisso” com o tempo. Somente os tolos são escravizados pelo tempo e pelo espaço, lembram? Repetindo, eles ali fazem o que quiserem, seja em 2004, 1977 ou 1920.
Assim, na divisão, temos de um lado a ilha e seus fatos consolidados; do outro, pessoas construindo livremente seus destinos. Como estas duas realidades se casam numa só na trama de “Lost”? É simples: aquelas pessoas e suas escolhas - para ela, feitas AGORA - contribuíram para os acontecimentos que compõem e que SEMPRE compuseram o passado da ilha. Pensando em cada indivíduo, o tempo informado em datas é desprezível - melhor usarmos as idades como indicativos cronológicos.
Nesse rolo todo, um erro frequente é pensar que Jack e companhia, agora em 1977, teriam que obedecer inconscientemente a desígnios superiores, seguindo o roteiro de fatos que fizeram a história da ilha para não alterá-la, como em “De Volta Para o Futuro. Em “Lost”, temos que pensar justamente ao contrário: devemos entender que as coisas na ilha aconteceram por conta dos escolhas e decisões tomadas pelos indivíduos, independentemente de viagens no tempo ou não.
Um excelente exemplo disso é quando Jack se recusou a ajudar o menino Ben. A princípio, houve um certo medo de Juliet e Kate em que a recusa pudesse alterar o que eles viveram no futuro, já que o Ben de 1977, uma vez morrendo, não mais existiria em 2004; só que o que elas não sabiam é que o Ben de 2004 só existiu porque Jack, em 1977, recusou-se a atendê-lo - já que, graças ao “não” do médico, o menino foi parar nas mãos de Richard Alpert e acabou se tornando o Ben que conhecemos em 2004. Agora, como disse, isso SEMPRE acontecera desta forma na história da ilha - por isso, mesmo desconhecendo o que viria a seguir, não havia motivo para temor algum da parte do grupo dos viajantes no tempo. Como diz a própria frase, o que aconteceu, aconteceu.
Este modo de entender o que está se passando em “Lost” também elimina outra dúvida frequente, cujo exemplo melhor é o de Miles adulto diante de si mesmo em versão bebê: se em vez de pensarmos que há dois Miles em 1977 entendermos que é um indivíduo de seus 20 e tantos, 30 e poucos anos diante de si mesmo com meses de vida, conseguimos enxergar que são duas realidades de tempo distintas - e, portanto, que podem coexistir em uma mesma data. De novo: tempo é importante para entender essa história de viagens entre épocas, mas não o que está convencionado através de um calendário.
Tão interessante quanto ver como essas atitudes ocorrentes ao mesmo tempo no passado da ilha e no presente dos viajantes determinaram as circunstâncias que envolvem o presente da ilha é imaginar outras que podemos ter ainda nesta temporada - algumas podem mesmo ser as respostas para velhas questões da série. Por exemplo, alguém já pensou que o envio de mantimentos Dharma à ilha pode ter seguido ainda em 2004, época em que a iniciativa já havia sido eliminada da ilha, por obra dos viajantes no tempo ou daqueles que conheceram a realidade deles no futuro, garantindo em 1977 ou pouco tempo após isso que eles tivessem o que comer duas, três décadas depois?
As viagens no tempo também nos dão outras possibilidades incríveis, como a de ser um bom argumento para quem crê em que a queda do voo 815 já era de fato esperada por pelo menos algum dos Outros - para isso, basta que o garoto Benjamin Linus, por exemplo, possa ouvir de um dos viajantes que eles chegarão à ilha pela primeira vez em setembro de 2004. Isso sem falar na produção dos detalhados dossiês sobre os sobreviventes do desastre da Oceanic - que podem ter tido a luxuosa contribuição dos próprios viajantes no tempo em entrevistas e depoimentos.
Para quem chegou até aqui - e, de preferência, sem sangramento nasal -, vale uma tentativa de resumo dessa história toda. Primeiro, a necessidade de saber separar: pensar na ilha é pensar em uma grande realidade “pronta” e inalterável através de viagens ao passado, e pensar em pessoas é pensar em linhas individuais de tempo, construídas e sempre progressivas. Só assim fica mais fácil para que, posteriormente, façamos em nossas mentes o cruzamento dessas duas realidades, que é o que vemos hoje em “Lost”: indivíduos construindo presentes sem ter a plena consciência de que estes seus “novos” atos, ao se situarem no passado da ilha, resultaram no presente do local - que, por sua vez, fora vivido por eles tempos atrás.
Além de todas essas informações, é também bom ter em mente que os parágrafos acima expressam apenas minha opinião; e que podemos eventualmente ter algum personagem que consiga ir ao passado e, através dele, modificar os eventos sucessivos. Mas por enquanto, para mim, as regras de “Lost” são mais simples que possamos entender: enquanto os atos dos indivíduos, para eles próprios, essencialmente estão e estarão no presente, o tempo na ilha é sinônimo do sempre.
Fonte: Lost In Lost - Por Carlos Alexandre Monteiro
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